Recapitulando...
A Bela Adormecida
O Avião da Bela Adormecida http://www.releituras.com/ggmarquez_aviao.asp
Em “O avião da Bela adormecida”, a mulher exerce domínio pela beleza, tanto que ela é conhecida por “Bela”, designação atribuída pelo personagem masculino. O homem lhe atribuiu esse adjetivo, e ela, sem palavras, acaba por condicionar o comportamento masculino, apenas por ser “Bela”. Nesse sentido, não há nenhuma manifestação em favor da mulher, somente é expressa a vontade masculina e a forma como o homem percebe a mulher: fonte de desejos e símbolo de conquista.
A organização espacial termina por mostrar que o universo feminino era fechado à presença masculina. O fascínio que isso exerceu no homem fez com que ele fosse imaginando o mundo dessa Bela mulher. Ele, movido pos atrações, despertas pelo físico da mulher, admite-se apaixonado por essa figura e completamente preso nesse mundo feminino, mas apenas como espectador (...).
O simples fato de a mulher estar no mesmo ambiente que o homem, o faz imaginar uma relação entre os dois. A impossibilidade de executar seus planos, o deixa sem reação, pois a sociedade, extremamente paternalista, atribui ao homem todas as ações, desde a conquista feminina à plena atuação e domínio do campo profissional. A mulher figura quase como uma peça na vida do homem, uma peça que lhe dá o suporte necessário para que esse consiga obter seus destaques e reconhecimentos dentro da sociedade.
García Márquez, ao silenciar a mulher no conto “O avião da Bela adormecida”, demonstra que ela tem poderes para influir no comportamento masculino, mas esses poderes vinculam-se diretamente à questão sexual, deixando de lado tudo aquilo que não se enquadra na figura feminina como fonte de desejo do sexo oposto.
A mulher é retratada pelo prisma masculino, o foco direcionado a ela é estanque e recai, com facilidade, nos atrativos físicos, porém, é o próprio comportamento que ela assume perante a figura masculina, que desencadeia toda a trama. O “não ver” o homem, acaba por despertá-lo e deixá-lo preso a ela, estando muito próximo fisicamente, mas distante de realizar o forte desejo de ser notado por ela. Observa, claramente, a distância que existe entre o desejo e a realidade que se apresenta ele:
“Como não parecia ter mais de vinte anos, me consolei com a idéia de que não fosse a aliança de um casamento e sim de um namoro efêmero. ‘Saber que você dorme, certa, segura, leito fiel de abandono, linha pura, tão perto de meus braços atados’, pensei, repetindo na crista da espuma de champanha o soneto magistral de Gerardo Diego.
Em seguida estendi a poltrona na altura da sua, e ficamos deitados mais próximos que numa cama de casal. O clima de sua respiração era o mesmo de sua voz, e sua pele exalava um hálito tênue que só podia ser o próprio cheiro de sua beleza”.
Uma questão que paira nas entrelinhas dos contos é o fato de a mulher ser independente, mas essa independência estar diretamente vinculada ao comportamento masculino. (...) Bela, é independente, no entanto, sua liberdade recai na simbologia que o ser feminino representa em toda a sociedade. A mulher é símbolo de segurança e estabilidade emocional e seus comportamentos seguem a linha do socialmente correto e aceito perante os olhos masculinos. (...)
O desejo masculino se torna tão obsessivo a ponto de imaginar cenas um tanto românticas, porém, ilusórias aos olhos humanos, mas verídicas sob a ótica das suas fantasias: “Em seguida estendi a poltrona na altura da sua, e ficamos deitados mais próximos que numa cama de casal. O clima de sua respiração era o mesmo da voz, e sua pele exalava um hálito tênue que só podia ser o próprio cheiro de sua beleza”.
A descrição da mulher em “O avião da Bela adormecida”, demonstra o forte poder de domínio e atração que a figura feminina exerce sobre o sexo masculino. Mesmo não tendo a intenção de seduzir o homem, acaba por exercer o domínio dos seus pensamentos, no começo, pelo simples fato de sua vestimenta e, posteriormente, por toda a sua conduta: “Estava vestida com um gosto sutil: jaqueta de seda natural com flores tênues, calças de linho cru, e uns sapatos rasos da cor das buganvílias. ‘Esta é a mulher mais bela que vi na vida’, pensei, quando a vi passar com seus sigilosos passos de leoa”. Márquez faz um paralelo entre a fragilidade feminina, observada nas cores das roupas e a firmeza, vista na figura da leoa. Atribuindo passos de leoa à mulher, já dá indícios fortes que ela atuará sobre o homem, porém, de forma suave como a própria tonalidade de suas vestes.
O forte e misterioso poder de atração da figura feminina silencia as atitudes masculinas e conduz seus pensamentos por caminhos obscuros e fantasiosos, fazendo o homem fugir da realidade e viajar sem rumo para o mundo efêmero e onírico criado pela Bela: “Então contemplei-a palmo a palmo durante várias horas e o único sinal de vida que pude perceber foram as sombras dos sonhos que passavam por sua fronte como as nuvens na água”. (...)
O silêncio e a voz feminina foram bem representados por García Márquez (...). A mulher atua como defensora de seus ideais de libertação frente ao universo masculino. Sua voz ganha força na tênue e singela figura de um ser feminino que age com delicadeza e perspicácia para alcançar seus sólidos objetivos: sobreviver em uma sociedade patriarcal, sendo reconhecida e respeitada pelos homens. O silêncio, que também marca a conduta feminina, pode ser interpretado como uma revolta aos comportamentos, mandos e desmandos masculinos, ou, sob outro ângulo, o silêncio revela a esperança que a mulher ainda tem de ser vista como frágil, porém, com decisões próprias. A voz e o silêncio figuram como pares e, ao fazer essa união um tanto insólita, Márquez nos mostra que a mulher tem representação perante o homem e consegue manter-se presente na sociedade, mesmo sem estar diretamente amparada ou protegida por um ser masculino. Voz e silêncio atuam como componentes decisivos para a conduta feminina e acabam por mostrar que, tanto um como o outro, tem força suficiente para sustentar a mulher dentro desse universo potencialmente masculino, mas que necessita do requinte e da delicadeza feminina para constituir-se como tal.»