Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente
do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me
como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou
displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho
tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles
admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para
conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer
acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do
coral.
“As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”.
Meu tempo
tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem
pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial
faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
Mário de
Andrade
(1893-1945)