O Professor tira dúvidas

Abril 13 2012

Quando a armada se aproximou do cabo das Tormentas, Vasco da Gama e os marinheiros tiveram de enfrentar Adamastor. Este fez profecias relativamente ao futuro dos Portugueses, contou a sua história pessoal e depois, emocionado pelas memórias, desaparece e deixa passar as naus.

 

 

39

"Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

40

"Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te, que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.

41

"E disse: — "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas,
E navegar meus longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho:

42

- "Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mim, que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pela terra,
Que ainda hás de sojugar com dura guerra.

43

- "Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem
Com ventos e tormentas desmedidas.
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo.

44

- "Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu, suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
Da vossa pertinace confiança;
Antes em vossas naus vereis cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte.

45

- "É do primeiro Ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.

46

- "Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a formosa dama
Que Amor por grã mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará dum cru naufrágio vivos
Para verem trabalhos excessivos.

47

- "Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres ásperos e avaros
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e perclaros
A calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Depois de ter pisada longamente
Co'os delicados pés a areia ardente.

48

- "E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dois amantes míseros ficarem
Na férvida e implacável espessura.
Ali, depois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados as almas soltarão
Da formosa e misérrima prisão." -

49

"Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: — Quem és tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado.-
A boca e os olhos negros retorcendo,
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

50

- "Eu sou aquele oculto e grande Cabo,
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio, e quantos passaram, fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que para o Pólo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

51

- "Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Netuno, que eu buscava.

52

- "Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa.
Todas as Deusas desprezei do céu,
Só por amar das águas a princesa.
Um dia a vi coas filhas de Nereu
Sair nua na praia, e logo presa
A vontade senti de tal maneira
Que ainda não sinto coisa que mais queira.

53

- "Como fosse impossível alcançá-la
Pela grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la,
E a Doris este caso manifesto.
De medo a Deusa então por mim lhe fala;
Mas ela, com um formoso riso honesto,
Respondeu: — "Qual será o amor bastante
De Ninfa que sustente o dum Gigante?

54

- "Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira,
Com que, com minha honra, escuse o dano."
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano,
(Que é grande dos amantes a cegueira)
Encheram-me com grandes abondanças
O peito de desejos e esperanças.

55

- "Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis única despida:
Como doido corri de longe, abrindo
Os braços, para aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

56

- "Ó que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei com um duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando com um penedo fronte a fronte,
Que eu pelo rosto angélico apertava
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto dum penedo outro penedo.

57

- "Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?
Daqui me parto irado, e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro inundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse,

58

- "Eram já neste tempo meus irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos;
E por mais segurar-se os Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos:
E como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado inimigo
Por meus atrevimentos o castigo.

59

- "Converte-se-me a carne em terra dura,
Em penedos os ossos sefizeram,
Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam;
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto cabo converteram
Os Deuses, e por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas." -

60

"Assim contava, e com um medonho choro
Súbito diante os olhos se apartou;
Desfez-se a nuvem negra, e com um sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.

 

+

 

 

 

publicado por OPTD às 10:18

Abril 13 2012

 

 

 

O Poeta Aprendiz

Vinicius de Moraes 

Ele era um menino
  Valente e caprino
Um pequeno infante
  Sadio e grimpante
  Anos tinha dez
  E asas nos pés
  Com chumbo e bodoque
  Era plic e ploc
  O olhar verde gaio
  Parecia um raio
  Para tangerina
  Pião ou menina
  Seu corpo moreno
  Vivia correndo
  Pulava no escuro
  Não importa que muro
  Saltava de anjo
  Melhor que marmanjo
  E dava o mergulho
  Sem fazer barulho
  Em bola de meia
  Jogando de meia-direita ou de ponta
  Passava da conta
  De tanto driblar

 

Amava era amar
  Amava Leonor
  Menina de cor
  Amava as criadas
  Varrendo as escadas
  Amava as gurias
  Da rua, vadias
  Amava suas primas
  Com beijos e rimas
  Amava suas tias
  De peles macias
  Amava as artistas
  Das cine-revistas
  Amava a mulher
  A mais não poder
  Por isso fazia
  Seu grão de poesia
  E achava bonita
  A palavra escrita
  Por isso sofria
  De melancolia
  Sonhando o poeta
  Que quem sabe um dia
  Poderia ser

 
Composição: Vinicius de Moraes / Toquinho
 

http://letras.terra.com.br/vinicius-de-moraes/87151/

publicado por OPTD às 10:10

Um blogue de apoio às minhas aulas e a todos os que gostam de Português, Francês e tudo... Desde 2008.
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