Se quiseres fazer azul,
pega num
pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do
horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até
que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste
das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do
meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as
cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego
queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o
puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície
dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compare-la
com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem
que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz - eu, Abraão bem Judá
Ibn Haim,
iluminador de Loulé - e deixei a receita a quem quiser,
algum
dia, imitar o céu.
NUNO JÚDICE
Meditação sobre
Ruínas
(1994)